Psicopolítica: O que leva uma mulher a denunciar um abuso após tanto tempo?

Colunista: Helena Cardoso.
Contadora, Orientadora Empresarial, Psicanalista e Palestrante nas áreas de Desenvolvimento Pessoal e Profissional.
O caso de Juliana Oliveira, ex-colaboradora de Danilo Gentili, reacende um debate urgente: o que leva uma mulher a denunciar um abuso após tanto tempo? Essa questão, longe de ser simples, exige que olhemos para fatores psicológicos, sociais e éticos com atenção e cuidado. Mais do que julgar, precisamos refletir: como a sociedade acolhe (ou rejeita) essas denúncias? E o que elas revelam sobre nossa cultura e nossos valores?
Quando casos como o de Juliana vêm à tona, é comum que a vítima se torne o centro de especulações. Nas redes sociais e na mídia, ouvimos frases como: “Ela foi demitida, só quer dinheiro fácil”; “Já beijou um convidado em outro programa, então pode ser ela a abusadora”; “Queria a mesma atenção que Dani Calabresa”. Essas acusações, muitas vezes sem provas, desviam a atenção do ato denunciado e colocam a vítima no banco dos réus. No caso de Juliana, há quem a acuse de trair Danilo Gentili, que apresentou evidências de que a apoiou desde o início. Mas será que essas narrativas ajudam a esclarecer a verdade ou apenas obscurecem a gravidade do abuso?
Denunciar um abuso, especialmente contra alguém influente, nunca foi fácil. No passado, mulheres que ousavam falar enfrentavam humilhação, descrédito e até perseguição. Esse contexto histórico, ainda presente em menor grau, inibe denúncias e explica por que muitas vítimas demoram anos para se manifestar. A demora não apaga o fato nem inverte a culpa. Pelo contrário, ela reflete o medo, a vergonha e a falta de amparo que muitas enfrentam.
Além disso, os danos psicológicos do abuso podem levar anos para se manifestarem plenamente. Profissionais de saúde mental sabem que traumas emergem em momentos inesperados, quando a vítima se sente segura ou quando o peso do silêncio se torna insuportável. Julgar Juliana por sua demora é ignorar essa realidade complexa.
Outro ponto que não pode ser ignorado é a facilidade com que, hoje, acusações podem ser feitas em busca de benefícios financeiros ou outros ganhos, como fama. Juliana, que não parece ter grande conhecimento jurídico, provavelmente foi orientada por alguém que entende de leis e direitos humanos e também da possibilidade de pedir indenizações milionárias. Quem já enfrentou ações trabalhistas sabe do que falamos. Quantos empregadores já lidaram com processos em que o funcionário alegava trabalhar “25 horas por dia”, exigindo valores muito acima do justo? Esses casos, embora não representem a maioria, alimentam a desconfiança sobre denúncias como a de Juliana e dificultam a distinção entre justiça e oportunismo.
Ainda assim, isso não deve servir de pretexto para deslegitimar todas as vítimas. O desafio é separar casos genuínos de abusos de situações em que o vitimismo é usado como estratégia. Quando a confiança é traída, como parece ocorrer com Juliana ao acusar quem a apoiou, a percepção de oportunismo cresce, prejudicando a busca por justiça.
O caso de Juliana revela um problema maior: a ideia de justiça está cada vez mais conflituosa. A ética e os valores morais parecem distorcidos, e o vitimismo, por vezes, é usado como pano de fundo para justificar ações questionáveis. Casos de falsas denúncias, embora raros, são amplificados por aqueles que, em nome de uma suposta “justiça”, minimizam a gravidade de crimes como abuso, assédio ou estupro. Essa polarização cria um ciclo vicioso: vítimas genuínas são desacreditadas, enquanto abusadores escapam do escrutínio.
No caso em questão, Danilo Gentili apresentou conversas que sugerem que tentou ajudar Juliana, mas foi impedido por limitações legais. Se essas evidências forem verdadeiras, Juliana terá de esclarecer sua posição, provando que os áudios e mensagens são falsos ou assumindo seus erros. Caso contrário, sua denúncia contra Otávio Mesquita, o verdadeiro acusado, perde força, e o foco permanece nas vítimas e testemunhas, enquanto o agressor fica à margem.
Um convite à reflexão…
O caso de Juliana nos desafia a olhar além das manchetes. Por que é tão fácil julgar a vítima e tão difícil enfrentar o agressor? Estamos prontos para acolher denúncias sem preconceitos, mesmo quando a vítima não é perfeita? E como podemos buscar justiça sem cair na armadilha de narrativas que distorcem a verdade?
Juliana tem agora o ônus de esclarecer as evidências contra ela e, se necessário, reparar o dano causado a quem a apoiou. Mas cabe a nós, como sociedade, criar um ambiente onde vítimas sejam encorajadas a denunciar no momento em que se sentirem prontas, sem medo de serem julgadas ou silenciadas. Que este caso nos leve a refletir sobre nossas posturas e a construir uma justiça que priorize a verdade, a reparação e a dignidade de todos os envolvidos.
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