O DIREITO TRANS: QUANDO A FLEXIBILIDADE VIRA INSEGURANÇA.

Henrique Toioda Salles é advogado tributarista, mestrando em Direito Internacional. Atua como articulista e pesquisador com foco nas intersecções entre Direito, política global e estruturas de poder.
Vivemos um tempo em que até o Direito parece querer ser “fluido”, moldando-se ao vento das ideologias e das emoções do momento. De um lado, o modelo conservador sustenta que a lei deve ser clara, estável e aplicada como foi aprovada. É esse modelo que garante que o cidadão saiba onde pisa e possa confiar nas regras do jogo.
Do outro lado, cresce o que podemos chamar de “direito trans”, não no sentido de identidade de gênero, mas no de transição permanente, onde juízes e operadores do Direito se veem como protagonistas da mudança social. Nesse modelo, o que importa não é o que a lei diz, mas o que o juiz entende que ela deveria dizer, de acordo com seus próprios valores, com o contexto social ou com uma ideologia em alta.
A promessa é nobre: mais empatia, mais inclusão, mais humanidade. Mas o risco é enorme. Quando se abre mão das normas fixas em nome de sentimentos ou de visões pessoais, o resultado pode ser o oposto do que se esperava, isto é, insegurança e injustiça.
Um exemplo está na mudança de interpretação sobre o chamado trânsito em julgado, expressão que significa, em resumo, que um processo foi encerrado de forma definitiva, sem possibilidade de novos recursos. Em alguns casos recentes no Brasil, decisões que antes pareciam finais foram reabertas com base em novas interpretações do Código de Processo Civil. Isso gerou frustração e prejuízo às pessoas que confiavam na estabilidade da Justiça. Afinal, como planejar a vida se o que era certo ontem pode ser anulado amanhã?
Nos Estados Unidos, o caso do direito ao aborto é ainda mais emblemático. Em 1973, uma decisão da Suprema Corte garantiu esse direito com base em uma leitura progressista da Constituição. Mas em 2022, o mesmo tribunal com outra composição reverteu esse entendimento. O que antes era um direito nacional virou uma questão estadual. Milhões de mulheres, de um dia para o outro, perderam garantias que acreditavam ser permanentes. Isso mostra que direitos baseados apenas em interpretações flexíveis da lei podem se desmanchar no ar, dependendo da ideologia da vez.
É claro que o Direito deve evoluir. Mas essa evolução precisa vir com responsabilidade, por meio do debate público, do voto, do Legislativo e não por decisões solitárias, muitas vezes motivadas por pressões políticas, sociais ou até midiáticas. Se o Direito abandona a legalidade em nome da sensibilidade, ele também perde sua força. E sem força, vira apenas um reflexo do poder de quem o interpreta. A pergunta que fica é: queremos um Direito que proteja a todos com base em regras claras, ou um Direito que mude conforme o humor do dia?
A resposta, caro leitor, está nas consequências. Pense nisso antes de aplaudir decisões que hoje parecem justas, mas que amanhã podem ser o argumento para tirar um direito seu.
Acompanhe o trabalho do advogado e colunista do RCPNEWS: Henrique Toioda Salles.
Instagram: https://www.instagram.com/htsalles/
Linkedin: Henrique Toioda Salles